sábado, 27 de janeiro de 2007

A porta de correr



A porta de correr entende-se como elemento construtivo apto a ser utilizado como dispositivo espacial que, ao contrário de outros dispositivos mais correntes, permite a definição de espaços não estritos/estáticos - flexíveis.

O recurso a elementos planimétricos móveis, soluções como as portas de correr, painéis deslizantes, portas de fole, por vezes até mesmo mobiliário perimetral móvel, etc… permite a contínua definição/sobreposição de vários espaços, e a sua constante reconfiguração traduz-se em adaptabilidade e versatilidade, características mais evidentes destes espaços.

Este ideal de arquitectura adaptável, teve nos anos 60 a sua expressão mais radical no trabalho do Metabo-group, propondo o conceito de “Metabolism Architecture”, arquitectura transformável para responder com eficácia aos desejos do habitante/cliente comum.

Esta perspectiva sobre a flexibilidade do espaço, encontra paralelo, e possivelmente, funda a sua origem, na concepção espacial dos interiores da Arquitectura tradicional Japonesa, como verificou nos anos 30 Bruno Taut, lendo uma ponte clara entre o espaço Nipónico livremente compartimentável, e a Arquitectura Moderna, com expressão máxima nos interiores domésticos de Le Corbusier (veja-se a Unité d’habitation de Marselha).

Experimentado e testado nas suas múltiplas aplicações e variantes, o painel deslizante, ou a porta de correr ou fole, e o espaço decorrente, encontra no ideal moderno da machine à habiter, o território ideal para a sua profusão e difusão, materializada de forma paradigmática na Casa Schroder (1924-25), de Gerrit Rietveld (Utrecht).
O trabalho sobre conceitos como “adaptable housing”, “growing house” e “co-operative house” é constante ao longo do século XX, e parece derivar em duas linhas de pensamento espacial distintas: Mutant Space e o Open Space.

Se por um lado, a origem Nipónica da livre disposição e continuidade espacial vê traduzidos de forma directa no primeiro modelo, a operatividade e o dinamismo que lhe são inerentes, por outro, o segundo modelo opta por libertar o espaço, originando a continuidade espacial imaculada e estática de Mies Van Der Rohe, materializada em grandes planos fixos de desenvolvimento horizontal.

Subjacente a estes dois modelos estão concepções estruturais também elas particulares e distintas. No primeiro caso, a premissa é de que os elementos resistentes são distintos dos elementos móveis. Estrutura e “enchimento” são elementos separados, um é contentor do outro. Por contraponto, o segundo caso concebe estrutura e elementos de enchimento como um só, resultante da fusão dos dois.

A publicação “Less is More” de Vittorio Savi y Jose María Montaner (1996), e, en “Supermodernismo, Globalización o Neutralidad” (1998), de Hans Ibelings, fazem um apanhado das soluções residenciaismais actuais que, supostamente, fariam tendência para a configuração de uma “nova modernidade”.

Numa leitura atenta aos conceitos subjacentes aos trabalhos publicados em ambas, podemos verificar que as ideias chave são: Espaços Flexíveis, Espaços Transformáveis, Espaços Controlados (espaços em que a estrutura se funde com os elementos de enchimento atribuindo-lhes funções que camuflam os limites do espaço, etc....).
Podemos concluir que, no virar do século, o tema de que tratamos continua a ser investigado e experimentado pela disciplina, linha de pensamento que não esgota potêncial e que deixa ainda muito campo para a sua exploração, veja-se a exemplo disso, o trabalho de Shigeru Ban (Naked House, 2000; Curtain Wall House, 1995; Wall-Less House, 1997; Furniture House 1, 1995; Funiture House 2, 1996; Nine-Square Grid House, 1997;).


2 comentários:

CCRE disse...

Olá Nuno,

Gostei muito das reflexões e links do porta de correr :)
Eu vou enviar o projecto da casa para publicação nas páginas brancas.
Envio o texto para tu me dares um feedback :)! E depois o projecto claro...

Eu acredito que a Arquitectura pode ser, na verdade, um processo e um dispositivo interdisciplinar de intervenção na cidade capaz de integrar diversos olhares na síntese programática e formal das suas propostas de intervenção para o espaço público. Concordo com Gabriela e creio que este concurso de ideias será uma óptima oportunidade para enriquecer as equipas com os alunos do MADEP.

Paralelamente a tentar perceber como é que um edifício colectivo identitário como o Mercado do Bolhão e o espaço de cidade onde se insere pode ser objecto de uma intervenção capaz de gerar desenvolvimento e qualidade de vida, as investigações e exercícios propostos para os alunos do MADEP parecem-me ser muito interessantes e pertinentes (perceber o espaço como representação do poder, como dispositivo relacional....).

Penso que não deverão existir problemas metodológico gráves relativamente às “contradições geradas entre as inevitabilidades de uma cultura material e a ideia de processo”. Eu digo isto porque acredito na capacidade das equipas para propor estratégias, espaços e formas de intervenção que darão expressão a um novo programa para o Bolhão que preserva a sua vida e características identitárias, que consiga responder aos novos desafios da cidade e que constitua um espaço de abertura e flexibilidade capaz de se ajustar às dinâmicas fluida dos processos e vivências da cidade actual.


Ao ccre interessa muito explorar as potencialidades da sua plataforma colaborativa como repositório do material didáctico, como suporte de comunicação entre os diversos elementos das equipas projectistas, possibilitando o uso de diversos media e interactividade para comunicar as diversas ideias sobre o espaço e intervenção e como plataforma aberta para a divulgação das diversas soluções encontradas para um público mais alargado.



Pedro Leão, Abril 2008

CCRE disse...

Olá outra vez,

Enganei-me na mensagem :)! De qualquer forma tive que criar o blogue ccre para te responder e tenho que ver estrategia de ccre com blogues!

Cá vai o texto da casa!

abs

Restauro e ampliação de moradia unifamiliar

“All architecture is shelter, all great architecture is the design of space that contains, cuddles, exalts, or stimulates the persons in that space.”
Philip Johnson

A intervenção procurou preservar a identidade e a traça original da pequena casa rural, com mais de cem anos, meio arruinada, e situada na parte antiga de S. M. de Infesta, no Concelho de Matosinhos. Propôs-se uma configuração espacial capaz de simultaneamente responder às novas exigências do programa e de estabelecer um diálogo renovado com a pré-existência. O genius locci da casa e do terreno que a envolvia, um bunker verde que tanto agradava ao cliente, foi preservado e reconstruiu-se os elementos e estrutura originais que não colidiam com as exigências do novo programa.

Foi criada uma forte relação de identidade entre o corpo da ampliação do primeiro piso que se prolonga ao longo do jardim encostado ao muro nascente, ocupando o lugar do antigo alpendre, e o corpo da casa original. Esta afinidade foi alcançada principalmente através dos materiais de revestimento exterior: alvenaria, madeira e vidro e estrutura de telhado em madeira. No entanto, o desenho dos vãos e da caixilharia do novo corpo encetam um diálogo renovado com a pré-existência, reflectindo uma outra linguagem arquitectónica, justificada pela sua diferente atitude em relação à vivência dos espaços e às relações que entre si estabelecem.

Características importantes exploradas neste projecto foram a relação com o jardim, a forte sensação de abrigo de certos espaços e as gradações da luz no interior da habitação como elementos definidores da nova configuração proposta. Isto significou um desenho que procura tirar o máximo partido do espaço exterior, tendo especial atenção aos seguintes factores: forte relação jardim / espaço interior, gradação de luz natural, dinâmica e continuidade espacial obtida em resultado da articulação entre os diferentes materiais de acabamento e as soluções estruturais e espaciais adoptadas, carácter de cada espaço em relação à sua função e gradação entre espaços comuns e espaços íntimos da habitação.

A ideia de criar um espaço comum, com características de plano livre, onde pudessem coexistir diversos ambientes diferenciados por diferentes níveis de privacidade visual e de luminosidade também teve um papel determinante na configuração espacial proposta. O desenho dos elementos estruturais, fixos e móveis, permitiram obter para o mesmo lugar situações de plena continuidade visual e ambientes com diferentes níveis de privacidade. Isto teve como resultado criar um amplo espaço que se articula de forma a dar suporte, por um lado, às zonas de sala de estar, sala de jantar, cozinha e jardim de Inverno e, por outro, à zona de sauna e quarto de hóspedes. O carácter de cada uma dessas zonas é fortemente influenciado pelo jardim e exposição solar que participa activamente na definição das suas diferentes características. Por outro lado, os espaços mistos da casa foram pensados como oportunidades para resolver as contradições entre diferentes actividades ou diferentes ambientes físicos. Por exemplo, é possível usufruir da protecção do interior da habitação e simultaneamente conviver com o exterior e gozar a liberdade do jardim, quando permanecemos na zona de ramada junto aos tanques de pedra de granito recuperados ou na zona de jardim de Inverno. Podemos referir também a zona da sala de refeições como um espaço de transição importante entre a cozinha e a zona de sala de estar, marcado quer pelas características de iluminação nascente, como também pela pequena escada que vence a diferenciação de cotas de pavimento da passagem desta zona para a sala de estar. A parede estrutural que cria um pequeno refúgio visual junto da lareira serve também para dar uma maior intimidade à zona de jardim de inverno.

O átrio de entrada, com lambrim e escadas em afzélia, pé-direito de 5 metros e luz natural superior assinalam a passagem dos espaços comuns para os espaços mais íntimos da habitação no segundo piso: quarto de casal e criança, ambos com quartos de banho privativo. O quarto de criança é um espaço mais solarengo possuindo aberturas a nascente e sul / poente. Já o quarto de casal tem menor incidência solar, possuindo os seus rasgos uma orientação norte / nascente.